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O Elo Perdido




Esqueça os grandes restaurantes, as estrelas Michelin, os guardanapos de linho branco e as taças de cristal. O cru, como conhecemos e, concebemos atualmente, é apenas uma mera representação do que fora na outrora dos nossos ancestrais.

Essa atual representação é de certa forma falha e também fruto de uma revolução ampla e profunda que teve o seu início a partir da adoção do fogo na preparação dos alimentos. Pode-se afirmar que a crueza praticada nos dias de hoje no ocidente é até um efeito colateral dessa expansão do fogo.

As fogueiras da antiguidade permitiram aos seres humanos de então, trilhar outros caminhos na preparação dos seus alimentos. Esses obedeciam e, nós obedecemos até hoje, a uma tríade consagrada composta pelo assar, ferver e fritar que baniu o cru definitivamente das nossas mesas.

Nas últimas décadas, junto a essa tríade tradicionalíssima, uma outra forma de preparo também ganhou destaque, a das micro-ondas. Porém, essa nunca chegou a rivalizar com as demais, pois o seu ponto forte repousa na praticidade apenas, já que em termos absolutos de sabor e até de nutrição, a mesma é insossa e pobre.

Na esteira dos crus clássicos praticados por nós, os ocidentais, talvez, o maior exemplo seja o da cozinha japonesa praticada por aqui. Nela, o cru é de certa forma tão hierarquizado e sofisticado que deixa até de ser o cru da sua acepção mais formal. O sashimi, por exemplo, é cortado de forma tão delicada e laboriosa que ganha requintes de uma iguaria sem igual.

Ademais, o shoyu, o hashi, entre outros tantos artifícios, nos afastam ainda mais da essência do que se propõe como o cru da antiguidade.

Já o segundo exemplo consagrado por aqui é o do steak tatare. Tanto o seu preparo que parte de carnes nobres e moídas, como o seu acompanhamento à base de especiarias, desvirtuam-no por completo do que é o real cru selvagem. Nessa mesma linha, o carpaccio vem a reboque e é outro exemplo clássico do nosso distanciamento atual.

Todos os exemplos acima, trazem na sua concepção e, principalmente, nas suas propostas uma superfície ardilosa elaborada a partir do escasso e, principalmente, da iguaria. Porém, todos eles no seu cerne íntimo confirmam uma subliminaridade, a do poder e a da opressão. Em outras palavras, a consolidação da civilização em detrimento da liberdade dos bárbaros. Trata-se da confirmação da vitória inconteste dos sedentários civilizados da urbe sobre os povos nômades livres.

Um adendo nessa análise se faz necessário, as frutas, os legumes e afins escapam dessa discussão, devido, em muito, aos intensos processos de seleção e de manejo que sofreram a partir do advento da agricultura entre nós.

Voltando à nossa discussão inicial acerca da essência do cru, ela, por outro lado, persiste ainda entre nós, apesar das censuras e das violações, por meio do consumo da ostra fresca in natura.

Mas, para atingir tal nível de sutileza, primeiro, se faz necessário que nós nos dispamos de todas frivolidades presentes no ato do consumo das mesmas, como por exemplo, o limão

siciliano, as ervas finas ou ainda o tabasco vermelho da Louisiana. A essência da crueza rejeita por completo a condimentação e até a presença do sal.


Ademais, nesse ritual, só é permitido o uso da faca para abrir a concha, sendo vetada até a sua utilização na extração do molusco. Ao mordê-lo e, lá, somente lá, resiste a última fronteira da crueza no seu estado virgem e selvagem. A partir da captura dela, renascem em nós, tanto os sabores daquele passado ancestral, como também, dos mares, os seus sete pecados originais.

Bon appétit.

Foto: Egor Myznik @unsplash


Meu nome é Guilherme Frossard Romano. Sou paulistano de coração. Escrevo, fotografo e nas horas vagas administro empresas. Formado pela ESPM tenho predisposição pelo cinema e pela literatura latino-americana. Na minha cabeceira agora descansa o livro: Confesso que vivi, do insuperável Pablo Neruda. Meus vícios, não necessariamente nessa ordem, são um bom café e viajar pelo mundo.

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