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Transgressão e Pizza



Toda paixão tem lá as suas transgressões, talvez, a maior delas, foi dar a ela, ares de sobrevivente quando em certas manhãs sacava os seus pedaços da geladeira para apagar os traços da noite anterior. Outra, foi comê-la na Guanabara com ketchup, num sábado à noite. E, atire a primeira pedra, quem nunca foi partícipe desse pecado capital, refém da gula.

Mais amenas, eram as pizzas de domingo que carregavam até uma certa inocência. Não importava aonde, esses rituais seguiam uma etiqueta rígida que iam da escolha dos sabores passando pelo tipo de massa chegando até as faixas etárias, gêneros e parentescos. E como eram ótimas aquelas noites na Camelo da Pamplona. Ali, aos olhos de qualquer criança, as subdivisões pouco importavam, começávamos geralmente pelo frango à passarinho, vencido, ele dava lugar à unanimidade da família: a pizza à moda da casa. As bebidas eram sortidas iam dos refrigerantes com alto teor de açúcar para as crianças, às caipirinhas, whiskies, vinhos e cervejas para os adultos. Com o tempo, todos nós saímos das mesas das crianças, mas enfim, é a vida.

Saindo da rotina dos domingos, naquele tempo ainda, existiram também as pizzas dos sábados à noite. Geralmente eram aniversários ou a simples vontade dos adultos em quebrar a monotonia. O que mandava ali era o faça você mesmo e, tudo ficava à cargo de um tio querido, o mesmo quem comandava o churrasco do dia seguinte. As crianças eram supervisionadas por duas gerações distintas e se dedicavam, única e exclusivamente, à arte de sovar a massa. Os trabalhos começavam logo após a siesta e se estendiam até um pouco antes da grande noite. E lá, iam elas para o forno à lenha, podíamos escolher os sabores de cada fornada. Nossa gula persistia até sobre as brasas daquelas noites que se apagaram com o tempo. A glória era acordar com as bolinhas da massa de pizza para brincar na manhã seguinte.

De volta a São Paulo, a Castelões do Brás também fazia das suas. Eram visitas às raízes profundas; os anarquistas da Colônia Cecilia, Firenze, o Vêneto, Arezzo dividiam proporcionalmente a pizza em partes iguais de nostalgia. Outro clássico da famiglia era a Esperança da Avenida Morumbi, ali a entrada ficava à cargo do pão de linguiça e depois vinham as pizzas; outro ponto alto daquelas noites era se perder na decoração das paredes, os quadros iam de recortes de jornais à ídolos do futebol paulista da década de setenta e oitenta. Havia também speranza na Treze de Maio através da sua napolitana tricolore.

Vieram, na esteira dessas, outras também, diga-se de passagem, mais contemporâneas como as do eixo Vila Madalena, Pinheiros e Jardins. Elas de certa forma representaram um rito de passagem para a vida adulta. Sempre estavam acompanhadas de amigos, bons amigos e melhores amigos. Essas vingaram até em outros lugares, como em Trancoso ou em Caraíva. Verdade que muitas delas eram tão paulistanas como nós, estavam sempre de férias por ali.


Houve as excêntricas, normalmente em pedaços que eram devorados nos túneis do metrô ou ainda sobre balcões de cidades distantes, com elas não havia talher ou mesmo glória, a ordem era seguir em frente naquelas viagens. Exóticas também existiram, como as de abacaxi, as de chocolate, em metro e as dos rodízios; foram deslizes, confesso. As tipo ostentação foram à beira do Adriático, do Mediterrâneo ou mesmo com vista para Hudson. E até, ocorreu, certa vez, uma versão natalina; especificamente no ano passado, quando todos os restaurantes estavam fechados exceto a pizzaria da esquina naquela quase fatídica tarde do dia 25 de dezembro, em Palermo SoHo. Amanhã é o seu dia e mesmo que o nosso encontro comece pelo virtual, mais uma pequena transgressão, este já valerá a pena.


Meu nome é Guilherme Frossard Romano. Sou paulistano, escrevo, fotografo e nas horas vagas administro empresas. Formado pela ESPM, tenho predisposição pelo cinema e pela literatura latino-americana. Na minha cabeceira agora descansa o livro: Confesso que vivi, do insuperável Pablo Neruda. Meus vícios, não necessariamente nessa ordem, são um bom café e viajar pelo mundo.


Foto: Charles Deluvio @unsplash

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